jueves, 16 de septiembre de 2010

Porto da Barra







Crônica: Tropa de Elite no Porto da Barra, em Salvador
PaquitoDe Salvador (BA)para Rick, Lucci, que estavam ausentes, e Bimbo.Véspera da data magna da nação, sábado de sol na praia do Porto da Barra, minha musa de tantas colunas, objeto de meus desejos de vastidão. Parecia verão, não fossem as ondas um tanto mais fortes do que o habitual.A gente chega e já não vê tantos conhecidos como outrora. É o nosso tempo passando, e os desocupados, na falta do que fazer, se ocupando...Uma piada local, hoje velha, diz que a maioria dos antigos frequentadores do velho Porto está trabalhando no governo do Estado, que precisou de novos quadros, após a queda do carlismo. Daí essa ausência, inédita até então. Mesmo sem tantos conhecidos, a praia está repleta, também como nos melhores dias de sol. Plácida paisagem, burburinho das gentes, conversas à mancheia, ali o tempo passa como se não passasse, a não ser pelo aviso do sol que, caindo no horizonte, arranca aplausos entusiasmados de seus adoradores, como reza a tradição do lugar, feito um Egito antigo no Recôncavo. Zona Franca da velha Bahia, muitos bebem cerveja e alguns, ocasionalmente, acendem inocentes baseados, compondo o familiar dia a dia do lugar, entre ambulantes, banhistas, jogadores de frescobol, um tanto excessivos pro pequeno espaço à disposição, e - milagre! - até aquele momento, às quatro da tarde, nenhum carro com o som excessivamente alto. Tudo parecia azul, não fosse a súbita descida, não pelas escadas, mas sobre as dificultosas pedras, de uns vinte homens da polícia, feito uma operação da SWAT, metralhadoras em punho, óculos escuros, caras de mau, e pesados uniformes, contrastando com a quase nudez dos habitués. De início, perplexidade nas faces dos que, alheios ao corre-corre da rua, se abrigaram nas almofadas de areia, sobre toalhas, ou mesmo, nos lençóis anis da água. Depois, um medo ficando grande, tomando os corpos, antes serelepes e despreocupados, agora contraídos e na espera do iminente ataque. Ameaça terrorista inédita, logo aqui no Éden baiano? Algum arrastão importado do Rio de Janeiro? Nós fizemos algo? Alguém fez algo que não devia? O que se deve ou não fazer aqui, neste território aparentemente livre, que antes se fazia sem que houvesse tamanho estardalhaço e atitude tão extrema? Temor ancestral, rememorativo dos anos de chumbo que alguns nem vivenciaram: tudo passa pela cabeça dos inocentes banhistas, na busca de uma culpa talvez esquecida, nunca revelada. Indiferentes à sensibilidade excessiva do outro, a soldadesca continua o trabalho, inquirindo, indagando, observando, fuzilando metaforicamente, falando baixo e firme, com a coragem típica dos que possuem armamentos, contra os quais não há palavra ou argumentos que bastem. Só resta, aos incautos, obedecer! Vão revistar por dentro de sungas e biquínis, compartilhar compulsoriamente da cervejinha, filar tira-gostos? Somos todos culpados, até prova em contrário. Somos todos pequenos, diante do grande contingente, armado até os dentes, inexplicavelmente ali, onde, no avesso das coisas, tudo parecia caminhar docemente, sem drama, no vaivém da vida, mas sem pressa. Caiu o pesadelo desavisadamente, despertando-nos, atiçando-nos. No entanto, não nos atrevemos a qualquer movimento brusco. O instante é de sobreaviso, principalmente. Mantemo-nos intimamente atentos, aparentemente despreocupados, sorrindo baixo, pisando leve e sem afetar receios, pois até o medo pode ser revelador de algo suspeito, de que nem nós suspeitávamos. Os que estão mais afastados do campo de ação dos guardas observam atentamente os primeiros alvos dos interrogatórios. Sobre uma toalha, onde se deitam três pessoas, e há uma mochila na areia, um deles se detém, mais inquiridor para, instantes depois, pegar do referido volume, abri-lo e dele tirar peças de roupas, pequenos utensílios e, ao fim, não encontrando nada, ou achando o que não procurava, depositá-lo novamente na areia fofa. Este foi o gesto mais concreto da diligência militar, fora os olhares e as perguntas, além da presença intensa e avassaladora das armas, daquelas que se veem em filmes de guerra do Vietnam, um tanto desconectadas da realidade corriqueira dos descolados. Toda a operação fora, aparentemente, para revistar uma simples mochila, inanimada e tranquila anti-natureza morta, repousada, de nada. Vai lá saber o que foi denunciado? Bomba, envelope de Antrax, dossiê de algum ficha-suja? O dono do objeto estava, inclusive, na água, e não ousou retornar pra tirar satisfações com os remexedores de intimidades. Talvez tenha sido apenas demonstração de poder, em períodos de eleição, do comandante-mor da polícia. Aos poucos, e com a ida do sol, rei fundamentado e não imposto, voltam as conversas sem que nem pra que, os sorrisos fáceis e sem intenção, as malícias ligeiras e um friozinho atípico até do inverno baiano. Vestimo-nos e vamos pra casa, esperando menos sustos estéreis nas vindouras tardes leves, inúteis e aprazíveis, na praia querida, amantíssima, amadíssima, sob as bênçãos de Iemanjá.
Paquito é músico e produtor.

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